quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cana Verde

Ó minha canninha verde.
Verde canna d'encannar.
Morreram as velhas todas,
Já não ha quem «talhe o ar».

Alberto Pimentel, no seu livro As Alegres Canções do Norte, de 1905, refere a própósito da caninha verde que o seu titulo não foi tomado ao acaso e remonta na origem - por mais estranho que isto pareça - á idade dos deuses. Assim, para além das conotações sexuais implícitas, havia aqui também um sentido mágico, uma vez que a canna representava um poder maravilhoso. A cana ou vara foi sempre um instrumento de magia.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O poder oracular do cervídeo associado ao culto da terra e da água

Teófilo Braga, no seu livro O Povo Portuguez nos seus Costumes, Crenças e Tradições, vol II, de 1885, refere que Justino falla do culto das montanhas entre os Gallaicos.

Por sua vez, Dalila Pereira da Costa afirma, no seu livro As Margens Sacralisadas do Douro Através de Vários Cultos, que o poder da água é um poder específico e muito remoto da Galécia. E o poder da água é um poder oracular, que caracteriza o povo desta Galécia, tão singularmente que foi testemunhado e elogiado pelos escritores clássicos.

Ainda segundo esta autora, na poesia galaico-portuguesa, a advinhação é uma vocação exercida também através das águas, ou por um certo animal do monte, o cervo.

Para Dalila Pereira da Costa, estes dotes tão longamente conhecidos, poderão já se ter iniciado no Paleolítico superior nas margens do Côa. Pois serão os cervídeos os que surgem como os animais mais numerosos nas gravuras da fase inicial desse período, o Magdalense. Indicará este facto já a prática oracular através deles? (...) Cervos, serão depois, milénios passados, na Idade Média, ainda usados pelas fermosas; água e cervos sempre juntos nessa ciência testemunhada nas Cantigas de Amigo.

Segundo o trovador Pero Meogo, a fonte que detinha dotes oraculares, era la fonte os cervos van beber.

Tardei, mia madre, na fria fontana
Cervos do monte volviam a água

...

Que o fosse eu ver
a la fonte os cervos van beber

O ateísmo dos Galaicos

Na Geographia de Estrabão (III, IV, 16) lê-se o seguinte: «Dizem alguns que os Callaicos são atheus». Por Callaicos entende aquelle geographo os povos do Norte do rio Durius (Doiro).

Custa admitir tal noticia, ao saber-se pelas muitas inscripções da epocha romana que os Callaicos tinhão muitos deuses indigenas, como Aernus, Bormanicus, Brigus, Coronus, Cusuneneoecus, Burbedicus, Tameobrigus, Turiacus, Edovius, Navia, etc., etc., bem como outros que forão identificados pelos Romanos aos Lares, aos Genius Laquiniesis, ás Nymphae Lupianae (e que são talvez divindades topicas).

Já vários autores contemporaneos tentarão refutar ou explicar a passagem do geographo grego: mas ninguem se lembrou, que eu saiba, de suppôr que o que na informação primitiva, aproveitada por Estrabão, se quis indicar foi que o que os Callaicos não tinham era idolos ou imagens, não deuses. Ainda hoje na nossa linguagem quotidiana chamamos frequentemente santos ás imagens dos santos; além d’isso o grego theós tambem pode significar idolo. Comprehende-se que numa informação d’estas, passada de mão em mão, viessem a confundir-se as duas noções, aliás distinctas, de idolos e deuses, chegando a final Estrabão a tomar a segunda pela primeira. Ainda que as interpretações dos Srs. Coelho e Sarmento são engenhosas, logicamente deduzidas, e ha nellas alguns factos positivos, todavia a minha harmoniza os factos epigraphicos (onde a noção de deus aparece clara, como se vê em deus Bormanicus, deus Durbedicus, deus domenus Cusuneneoecus, etc.) com a formal notícia do geographo: o que não significa que eu a não submeta á apreciação da crítica competente. Pode objectar-se que a noticia de Estrabão, interpretada á letra, era verdadeira só para um ponto limitado da Callaecia, e que elle a generalizara; no emtanto as inscripções divinas apparecem numa área muito extensa.

Não terem os Callaicos, ou alguns d’elles, imagens para os seus deuses, em certo periodo do seu desenvolvimento religioso, não é facto unico nem raro: dava-se isso, por exemplo, nos Romanos antigos, nos Germanos, etc.

Notarei mais um facto, que no entanto tem só valor muito relativo: pouco monumentos ha, se alguns ha positivos, com figuração de divindades, da ephoca a que me refiro; existem porém diversos symbolos religiosos, como por exemplo na Citania de Briteiros.

Leite Vasconcelos, Jose – Do atheismo dos Callaicos, RL, II, Porto, 1890-92, pp. 346-47.