sexta-feira, 14 de maio de 2010

O ateísmo dos Galaicos

Na Geographia de Estrabão (III, IV, 16) lê-se o seguinte: «Dizem alguns que os Callaicos são atheus». Por Callaicos entende aquelle geographo os povos do Norte do rio Durius (Doiro).

Custa admitir tal noticia, ao saber-se pelas muitas inscripções da epocha romana que os Callaicos tinhão muitos deuses indigenas, como Aernus, Bormanicus, Brigus, Coronus, Cusuneneoecus, Burbedicus, Tameobrigus, Turiacus, Edovius, Navia, etc., etc., bem como outros que forão identificados pelos Romanos aos Lares, aos Genius Laquiniesis, ás Nymphae Lupianae (e que são talvez divindades topicas).

Já vários autores contemporaneos tentarão refutar ou explicar a passagem do geographo grego: mas ninguem se lembrou, que eu saiba, de suppôr que o que na informação primitiva, aproveitada por Estrabão, se quis indicar foi que o que os Callaicos não tinham era idolos ou imagens, não deuses. Ainda hoje na nossa linguagem quotidiana chamamos frequentemente santos ás imagens dos santos; além d’isso o grego theós tambem pode significar idolo. Comprehende-se que numa informação d’estas, passada de mão em mão, viessem a confundir-se as duas noções, aliás distinctas, de idolos e deuses, chegando a final Estrabão a tomar a segunda pela primeira. Ainda que as interpretações dos Srs. Coelho e Sarmento são engenhosas, logicamente deduzidas, e ha nellas alguns factos positivos, todavia a minha harmoniza os factos epigraphicos (onde a noção de deus aparece clara, como se vê em deus Bormanicus, deus Durbedicus, deus domenus Cusuneneoecus, etc.) com a formal notícia do geographo: o que não significa que eu a não submeta á apreciação da crítica competente. Pode objectar-se que a noticia de Estrabão, interpretada á letra, era verdadeira só para um ponto limitado da Callaecia, e que elle a generalizara; no emtanto as inscripções divinas apparecem numa área muito extensa.

Não terem os Callaicos, ou alguns d’elles, imagens para os seus deuses, em certo periodo do seu desenvolvimento religioso, não é facto unico nem raro: dava-se isso, por exemplo, nos Romanos antigos, nos Germanos, etc.

Notarei mais um facto, que no entanto tem só valor muito relativo: pouco monumentos ha, se alguns ha positivos, com figuração de divindades, da ephoca a que me refiro; existem porém diversos symbolos religiosos, como por exemplo na Citania de Briteiros.

Leite Vasconcelos, Jose – Do atheismo dos Callaicos, RL, II, Porto, 1890-92, pp. 346-47.

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