quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Culto da Deusa-Mãe

“(...) haverá uma intuição arquetipal dos portugueses, afundando suas raízes no mais primevo do seu passado, e que percorrerá sua história, expressando-se nas suas mais específicas e constantes criações, manifestações: entre todas, primando a suadade. Que assim por ela, terá suas raízes na religião desse remoto passado, como pré-história, e proto-história.

(…) Se nossa poesia lírica é uma das manifestações específicas e constantes dessa intuição, ela foi marcada, desde os trovadores galaico-portugueses, pelo diálogo do homem com a Natureza, ou Terra-Mãe, como união procurada, achada e vivida, do adorante com a sua deusa: forma poética que sucederá a outra, antecedente religiosa, como culto arcaico, e que marcará indelevelmente esta poesia com seu cunho de funda religiosidade. Desde então uma religião manifestando-se em forma de poesia.

(…) Porque tudo levará a crer que, no solo e humanidade que constitui agora Portugal, se teria dado no Ocidente uma das mais potentes sobrevivências do substrato pré-ariano, em si detendo na sua tradição a preponderância duma religião de carácter fortemente telúrico e matriarcal, votada ao culto da Deusa-Mãe. Religião de Mistérios, extática, tal como surge nas suas manifestações pré-helénicas. Portugal sendo assim, nesta referência mediterrânea, como um dos núcleos de sobrevivência arcaica, tal como os da Sicília, Tessália, Trácia, Mar Negro. E que aqui, se poderá atribuir e ligar, à forte preponderância dum passado megalítico, que ele, em toda a sua riqueza e esplendor, teria marcado para sempre este solo. (…)

Ao norte do país, no território galaico-português, uma forte tradição dos povos megalíticos vindo-se unir à influência dos povos celtas, criaria uma singular cultura de índole marcadamente telúrica e ginecocrática, que a distinguirá de todos os demais núcleos culturais de sobrevivência pré-indo-europeia entre os países do Ocidente.

Posteriormente, a existência histórica, aqui provada, após a invasão romana, dos cultos orientalizantes trazidos pelas suas legiões, como o de Cíbele, Ísis, Serapis, Mitra, cultos marcadamente iniciáticos, revelará uma afinidade, por parte da humanidade deste território, a formas ligando-se ainda ao culto de mistérios da Grande-Deusa: como novas recorrências, ou sobrevivências, duma religião ancestral.

Sinais haverá, na história da religião deste território, detectáveis desde os testemunhos da pré-história e através da arqueologia, etnologia e tradição, dum mesmo tema que, na sua evolução através dos milénios, se modula sempre renovado e diferente, mas sempre conservando sua coerência e identidade.”

Dalila Pereira da Costa, Da Serpente à Imaculada, Lello & Irmão Editores, Porto, 1984, pag. 20, 21 e 22.

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